Esta noite faleceu uma vizinha do prédio onde eu trabalho.
Colocaram, na entrada do prédio, uma mesa arrumada com uma toalha de festa e, sobre ela, uma foto da garota, apoiada em um vaso de flores de plástico, para que todos os passantes vejam. Muitos param para olhar a foto.
Lá em cima, mulheres choram, escandalosamente, a morte da menina. Dá para escutar do meu trabalho, que fica um andar abaixo.
Durante uma semana eles ficarão chorando diariamente. Depois, haverá uma festa com comida, bebida e música. Todos alegres.
Trabalhamos normalmente.
A cidade parou ao meio dia. Tudo fechado. Ninguém nas ruas. As 17 horas começaria o jogo Argélia X Angola.
Empatou 0 X 0. O jogo foi muito fraco, mas Angola está classificada.
DIA SEGUINTE
No saguão de entrada do prédio estavam algumas meninas a preparar o leito onde o corpo da menina virá a repousar esta noite.
Os prantos continuavam. Gritos escandalosos se ouvia vindos do andar superior. Os choros acontecem em espasmos. Contou-me o motorista que nos levou para o restaurante que isto pode levar de 24 horas a 7 dias, um mês ou até seis meses, "vai depender do sentimento da família. Tem casos que em que, de tanto chorar, atiram-se ao chão e até se machucam", disse-me ele. E prosseguiu: "as vezes o chefe da família quer esperar que todos os parente se reunam". Enquanto isto não acontece, o corpo fica na geladeira do necrotério aguardando o momento para vir ao velório.
Muitas pessoas apareceram durante o dia para visitar a família.
Quando voltei do almoço a mesa para o caixão já estava pronta, decorada com cetim branco e roxo.
Encontrei o pai da garota, que eu havia conhecido sábado passado quando preparava a festa de aniversário para a mesma filha que agora estava morta, Apresentei os meus pesames, ele me abraçou e pediu qualquer contribuição em dinheiro para ajudar no evento.
A noite, quando sai do trabalho, havia pessoas aos montes. Na porta do prédio, onde está a mesa com a foto da garota, foi colocado um toldo, e por toda a parte, dentro e fora do prédio, pessoas conversavam e bebiam. Havia muita gente, parecia a porta de entrada de uma balada. Todos estavam a aguardar a chegada do corpo da menina para a grande festa que deverá por acontecer antes do enterro.
Amanhã saberei mais.
TERCEIRO DIA
Amanheceu chovendo. Coisa rara em Luanda nesta época do ano. Mas choveu.
Quem sabe para abençoar a menina morta!?
Na entrada do prédio já se aglomeravam algumas pessoas e por toda a escada, que leva até o terceiro andar, onde mora a família da falecida, muitas outras pessoas estavam sentadas, conversando e bebendo cerveja. Durante todo o dia e noite o movimento foi intenso.
Não havia mais choro, agora, as pessoas conversavam animadas e riam, subiam e desciam as escadas, mais gente chegava.
O vigia me contou que o enterro foi de manhã cêdo, que, os que ficaram durante a madrugada, acompanharam o corpo até a igreja e, depois, para o cemitério. De lá, vieram para o prédio para comer e beber.
A foto da menina continua sobre a mesa.
"- Que a Morte seja louvada com muita festa!!!"
Disseram-me que amanhã o evento tem prosseguimento.
QUARTO DIA
Não houve nada. Apenas a foto da menina permanece sobre a mesa decorada de cetim branco e roxo.
QUINTO DIA
Foi tranquilo. Sem movimento. A mesa com a foto da menina morta continua exposta.
SEXTO DIA
Houve choro, mas pouco. Logo começou a festa. Desta vez tinha pouca gente. Mas tinha cerveja.